quarta-feira, 4 de julho de 2007

HELENA ALMEIDA - RECENSÃO CRÍTICA

HELENA ALMEIDA: APRENDER A VER

(Por Ângela Molina)

Recensão crítica sobre a colectânea de trabalhos seleccionados por Angela Molina

-RUINAS

-MATER DOLOROSA

-PINTURA GESTADA

-NO INÍCIO, ESCORREGOU

-ESPELHO/REPETIÇÂO

-CELEBRAR A POSSIBILIDADE

“ A ruina ou espaço em branco que vemos na natureza-escreveu Ralph Waldo Emerson-está no nosso olho”. ... “ Nesse transporte pelos espaços em branco, que não podem distinguir-se do escuro nem da tela como espelho, a artista lisboeta Helena Almeida é capaz de viver e reviver nessa ruína, interiorizá-la,escutá-la no seu eco e devolvê-la à natureza a partir de um olho- o seu olho-palpitante , tão Emersoniano”. ...

Na longa tradição das artes do Ocidente, o uso de processos miméticos tomando como forma de comunicação privilegiada entre diversas formas de arte, foi tema de longos ensaios, e aqueles vem sendo há muito estudados.

Quando a fotografia deu os primeiros passos: então simples técnica servindo a pouco mais do que a representação pura e simples das coisas e dos objectos, a sua necessidade de se ancorar num qualquer referencial, levá-la-ia a buscar na pintura os seus modelos de representação. Vemos portanto nos primeiros anos da sua existência, registos tal como se viam nas paisagens do naturalismo. Temos portanto que a fotografia começa a pretender e a desejar apropriar-se de modelos anteriores, a ter vontade de abranger uma dimensão artística nova, já que as novas técnicas de arte não surgem do nada e portanto têm que se basear em dados e conceitos já adquiridos.

Nas últimas três décadas Helena Almeida utilizou o próprio corpo como possibilidade libertadora da expressão, rasgando ou ligando suportes, criando uma arte disciplinar onde os limites entre o desenho, pintura, escultura, e fotografia, são constantemente reavaliados.

Nesse percurso, noções como estar «além de..», «fora de», ou «dentro de» relacionam-se com uma prática que tenta fazer coincidir o gesto e a performance com a edificação de um teatro muito pessoal onde a sua própria imagem é o único elemento constante.

É uma espécie de invenção do próprio corpo. O corpo físico e o corpo da arte, num contexto em que sobressai um certo pessimismo, e mesmo um certo dramatismo. É uma interioridade em que a artista deixa entrever uma certa ansiedade. Em que transparece um certo carácter obsessivo, apesar de a artista paradoxalmente trabalhar lúdicamente o corpo, imprimindo-lhe emoção e energia, num circuito em que a coreografia e a poesia tem lugar.

Toda a obra desta artista é como uma imensa tela que recupera a ideia de pintura , que sofre da nostalgia da pintura, mas que renova numa espiral superior, através da fotografia, o espírito sublime da sua arte. Renova a compreensão que temos acerca do modo de ver, e também da perspectiva e da compreensão que temos do mundo.

Helena Almeida transforma o acto de pintar numa espécie de sacerdócio, mesmo numa espécie de eucaristia. Se lhe dermos o epíteto de sacerdotisa não será excessivo. Helena Almeida no inicio da sua carreira, nas suas obras, desmonta a estrutura lógica e a percepção da pintura. Dá a ver o que é suposto estar escondido, e vai transformando as telas através da inclusão de persianas ou da portadas em janelas concretas mas completamente disfuncionalisadas. São janelas em que não se vê nenhuma paisagem ou cena, mas unicamente as costas das telas. O suporte tradicional da tela era utilizado de uma forma concreta e original no seu trabalho.

Toda a riqueza gestual, feita com poucos recursos, faz do trabalho da artista, um trabalho de não muita distância entre o expressionismo e o minimalismo, que pode ser visto na obra com o título de: « Desenho Habitado», na qual as fotografias mostram o traço de tinta que se liberta do suporte com a ajuda da mão que gesticula sobre o espaço.

A sensação de profundidade criada pela luz, contribui para que a linha recta se transforme num campo tridimensional, já que o traço “ salta “ do papel ajudando a libertar o desenho, para se ir situar na palma da mão. Esta é uma imagem metafórica, já que a linha em questão é um fio tirado da crina de um cavalo.

Portanto a artista manipula mediante uma determinada lógica, determinados materiais.

Não procura fontes ou origens, mas estruturas de significação De baixo de cada imagem há sempre outra imagem. Nestas imagens os modos de proceder artísticos como por exemplo as “ performances “ de Helena Almeida, podem-se transpor e transformar em enquadramentos e encenações ,e de tal modo ela o faz, que acaba por transgredir os limites estéticos e os transformar em códigos culturais.

Na opinião de Owens não são só os meios que provocam clivagens no campo da estética, mas também os diversos níveis de leitura e de representação: o «impulso alegórico» desconstrói o paradigma simbólico da modernidade. A apropriação, a transitoriedade, a acumulação o hibridismo, a discursividade - estas estratégias múltiplas caracterizam grande parte da arte actual e distinguem-na das suas fases anteriores. Em Helena Almeida o seu trabalho confirma de certo modo este tipo de premissas, e como artista pós- moderna, inevitávelmente sofreu também todas estas influências.

A artista com as suas imagens fotográficas, propõe-nos auto-representações no sentido em que são imagens de si mesma. Mas é intrigante o facto de se intuir, que não será essa a característica que define a questão da estruturação e da diferenciação da sua obra. Será que a relevância do seu trabalho se pode atribuir à” performance”, ao gesto ou à atitude, ou será que a fotografia não passa disso mesmo? Ou ainda que a fotografia surge como um duplo da pintura e do desenho, embora como meio diferenciado, no sentido em que se pode atingir outro nível estético e outro nível de representação?

No seu trabalho: Estudo para um enriquecimento interior, uma série de seis fotografias a branco e negro relata o movimento de uma mão e um pincel que arrasta uma mancha azul sobre uma superfície branca”. ...

Aquela série de trabalhos, continua através da pintura um processo que foi iniciado no desenho. A diferença reside em que no caso do desenho o processo é inverso na medida em que é efectuado do presente para o passado, da representação para a realidade, no caso anterior é precisamente o oposto.

Isto é, a sequência representada pela pincelada azul sobre a série de fotografias, é feita de forma a que a artista a incopora e a simula engolir, o que faz pensar na situação de um ritual de comunhão com a arte, e de tal forma, que de facto efectivamente se cosumasse.

Noutra série de trabalhos e para terminar a década de 70, a série:-Sente-me, Ouve- me, Vê-me -, representam um conjunto que usam a fotografia e também uma peça produtora de som, que foi utilizada em Vê-me (obra exclusivamente sonora). Este tipo de procedimentos faz alargar o campo de acção da artista tornando o processo sensorial muito mais abrangente.

Esta obra sonora foi usada pelo coreógrafo e bailarino João Fiadeiro no espéctáculo I am here, apresentado no Centro George Pompidou em 2003. A obra consiste num diálogo com o trabalho de Helena Almeida, utilizando também outro tipo de suportes sensoriais.

As imagens com o título de “sente-me” mostram-nos os olhos cerrados, as imagens com o título de “ouve-me” mostram-nos os lábios cerrados (suturados, cosidos com linha) como se a artista tivesse necessidade de exprimir algo, mas estando disso impossibilitada.

Na série “voar”, trabalho feito já em tons azulados, a artista colocada em cima de uma cadeira, debruços, de braços abertos como quem pretende levantar vôo, parece insinuar uma pose de libertação, talvez como metáfora à própria liberdade da criação artística. No trabalho “Negro Agudo” sente-se a força pujante e poderosa do negro maçisso sobre a superfície branca, quase como um paradigma do trabalho do artista da Escola de Nova York, Franz Kline. A violência impressiva deste trabalho quase não deixa visibilidade à própria cabeça da artista Helena Almeida. É um trabalho pujante a que não se pode ficar indiferente.

Na série “Desenho Habitado” a beleza da pose das mãos, bem como a sensibilidade posta no acto de pegar no fio , ou na crina de cavalo, revelam a excelência do “fazer” , bem como da qualidade fotográfica da peça, elevando este trabalho a um nível daquilo a que poderemos chamar de : espiritualidade na arte.

HELENA ALMEIDA - entrevista a Ana Feijó

ENTREVISTA A ANA FEIJÓ SOBRE A OBRA DE HELENA ALMEIDA

Por: Vasco Manuel da Cruz Pereira

ENTREVISTA FEITA À GALERISTA ANA FEIJÓ

GALERIA PRESENÇA, DO PORTO,

SOBRE A OBRA DA ARTISTA HELENE ALMEIDA,

Helena Almeida não necessita de apresentação no panorama das artes plásticas portuguesas. Tal é o seu prestígio a nível nacional e internacional.

A par de um número considerável de exposições colectivas e individuais, e sendo presença incontornável nas mais distintas instituições nacionais e estrangeiras, foi no ano de 2005 a nossa ilustre representante na Bienal de Veneza . O seu trabalho tem reconhecida importância em todo o mundo.

Quem é esta mulher elegante e discreta que se dedica à arte com um empenho místico, e que através das suas fotografias, dos seus vídeos, dos seus desenhos e dos seus filmes, conseguiu atingir aspectos mágicos e a assumir foros de grande musa da arte?

O que é para ela a arte? O que é que procura através da arte? Onde é que a arte nos pode conduzir? São estas as grandes questões para as quais pretendemos legítimas respostas.

ENTREVISTA

VASCO CRUZ PEREIRA

Gostaria de perguntar o que pensa a propósito do facto de Helena Almeida utilizar permanentemente o corpo como objecto da sua arte; se poderá ser classificada como um gesto narcisista, à semelhança de algumas críticas que a este propósito se fazem a Jorge Molder por exemplo?

ANA FEIJÓ

Não penso que assim seja. Helena Almeida no meu entender utiliza o seu corpo como objecto que está de imediato ao seu alcance, trabalhando-o como um alvo estético, para o poder «utilizar» a seu belo prazer, dando-lhe formas, criando coreografias, estabelecendo uma espécie de dança ou de ritual místico, na sua procura incansável e permanente de uma estética peculiar, em direcção ao sublime e ao ideal ascético.

V.C.P.

Qual o significado, e a relação existente na artista, entre o desenho e a fotografia.

Pensa que terá sido um processo espontâneo, e que por exemplo a artista quis materializar a linha, fazê-la saltar do papel por meio de um fio tirado da crina de um cavalo, segurá-lo nos dedos e deixar-se fotografar com ele?

A.F

O estilo que a artista imprime ao seu trabalho fotográfico, o contraste que resulta da aplicação nítida entre negro e do branco, só por si, fazem com que o trabalho de Helena Almeida tenha uma liniariedade bem marcantes. Estas características em si mesmas permitem evidenciar com clareza o desenho no trabalho da artista. Por outro lado quando ela utiliza um fio tirado da crina de um cavalo, pretende na minha opinião, fazer com que a linha se torne mesmo veemente, que permita à artista proceder à sua materialização e talvez desse modo tornar a situação, espacial e tridimensional.

Em Helena Almeida a nitidez das formas permitem que o desenho e fotografia se transformem num só corpo, inalienável e indivisível.

V.C.P.

O que pensa a propósito de uma certa aura mágica do trabalho da artista, bem como de um certo aspecto insondável, de enigma e de mistério, que de resto é evidenciado pelo contraste vigoroso da cor branca e do negro radical que lhe são característicos?

A.F.

A própria pergunta da forma como é colocada, contém já o princípio da resposta que poderá ser efectivamente confirmada pelo que de essencial se vislumbra no trabalho de Helena Almeida. O enigma e a aura mágica são na minha opinião uma constante no trabalho da artista, bem como um certo carácter de ocultação e de desocultação. O exercício de individuação, e de uma certa tendência obsessiva no sentido de uma procura ascética, são também características que lhe poderão ser atribuíveis. A dialéctica negro/branco reforça o carácter enigmático e mágico da sua obra.

V.C.P.

O que pensa da espiritualidade no trabalho da artista Helena Almeida. Poderemos relacionar a sua obra com aspectos da teoria psicanalítica, ou dos conceitos zen ?

A.F.

Tudo quanto foi dito anteriormente nos leva a concluir que efectivamente o trabalho desta artista tem uma componente espiritual marcante. O contraste negro/branco, bem como o modo como a artista elabora a sua obra, pode de certo modo conduzir-nos ao conceito zen na medida em que estamos perante um despojamento em termos da cor, por um lado, reduzindo-a à sua expressão mais simples, Por outro lado a forma flúida da acção como presumivelmente se intui dos seus trabalhos, e ainda uma certa aura espiritual, permite-nos deduzir que Helena Almeida se eleva à categoria de artista com um forte pendor orientalista. Também uma certa introversão e clausura na sua forma de trabalho, nos pode eventualmente levar a especular sobre conceitos psicanalíticos.

V.C.P.

Pensa que o trabalho de Helena, por fazer uso das duas cores extremas, e da sua aplicação quase obsessiva, pode ser um meio de exorcisar aspectos inconscientes que tenham que ver com certos estigmas da vida da artista?

A.F.

Penso que realmente a forma insistente e quase obsessiva com que a artista trabalha, bem como o isolamento e o silêncio a que voluntariamente se submete, ( apesar da presença imprescindível do marido) nos leva a pensar que o seu trabalho funciona realmente como uma forma de introversão. No entanto não podemos afirmar que no seu percurso haja a intenção deliberada de se auto conhecer, muito embora isso possa acontecer independentemente da sua vontade; ou de exorcisar o que quer que seja, ou que o seu trabalho tenha forçosamente que ver com aspectos psicanalíticos. No entanto parece-nos que numa entrevista que a artista deu, algures, se referiu de forma afirmativa à questão da arte como exorcismo. Terá dito: « Não conheço nenhum artista que não exorcise. Exorcisar através da arte é uma função vital, é um bem de primeira necessidade.»

V.C.P.

Como poderemos nós abordar a questão da componente metafísica na obra de Helena Almeida?

A.F.

Pode realmente colocar-se a questão, mas a dificuldade de a teorizar é de tal ordem, que daria muito tempo e muito espaço para uma abordagem minimamente consistente. No entanto e tendo em conta tudo o que anteriormente foi dito, poderia ser um bom princípio para nos conduzir ao início da dissertação dicotómica e suprema da:- Arte e Metafísica.

Não deixo no entanto de mencionar a belíssima frase de Nietzche quando diz que: a arte não é uma imitação da natureza mas sim a sua componente metafísica.

V.C.P.

Qual o relacionamento que poderá ter o trabalho de Helena Almeida com a poesia, e com a dança ou mesmo com o cinema?

A.F.

Julgo que o trabalho de Helena Almeida tem a ver com a poesia, com o cinema, e também com a dança. Helena Almeida torna-se uma autora original, não somente pela imaginação, persistência, e criatividade no seu trabalho, mas também porque na essência o seu objecto artístico, lhe é absolutamente favorável á transversalidade a esses temas. Para além do mais a questão genética, e familiar pode ter indirectamente a ver com a função estética da artista.(Filha de escultor, casada com arquitecto, tem dois filhos, um artista outro arquitecto), mas sobretudo porque o seu trabalho interage com uma série de códigos artísticos que vão do desenho ao cinema, da pintura á fotografia, á escultura, á arquitectura, á performance. Estas situações tem a ver com o movimento, com a coreografia, e com a sensibilidade especial na encenação, com o monólogo e confrontação permanente consigo própria.

V.C.P.

Poderá haver alguma verosimilhança, ou poderemos de alguma maneira fazer a comparação do seu trabalho, ao dos grandes artistas na área da fotografia? Estou a lembrar-me por exemplo de Robert Mapplethorp. ou de Cindy Sherman.

A.F.

O que julgo haver de comum entre Helena Almeida e esses dois grandes artistas, é a utilização do corpo como pretexto e como suporte para os seus respectivos trabalhos. É evidente que cada um tem o seu estilo próprio, muito afirmativo e muito peculiar. No entanto no caso particular de Robert Mapplethorp, é também pertinente abordar a questão da intensidade do claro/escuro e da forma magistral como ele dá ênfase á forma e á estética do corpo humano.

Em Cindy Sherman a tónica é posta na auto representação obsessiva, mas de forma algo melancólica e dramática .

V.C.P.

Como encara a obra da artista?

- No sentido da sedução do espectador?

- No sentido do dramático?

- No sentido do sublime?

- No sentido metafísico?

- No sentido Místico?

- No sentido de missão e de sacerdócio?

A.F.

Não sei se poderemos dizer que existe algo de dramático na obra da artista. A nota que poderá ter alguma ressonância nesse sentido, será a presença continuada da dicotomia da cor negra e branca apesar de algumas vezes ela fazer uso da cor azul e outras vezes da cor vermelha ao pretender quebrar um pouco o tom monocórdico do seu trabalho.

No entanto relativamente á questão da sedução, do sentido do sublime, do sentido místico e do metafísico, parece não haver dúvidas de que de facto isso pode ser considerado uma constante da artista, bem como seu de missão e de sacerdócio. O fio condutor do trabalho de Helena Almeida, leva-nos a concluir que faz todo o sentido admitirmos a legitimidade e a veracidade de todos estes pressupostos.

HELENA ALMEIDA - Breve abordagem à sua obra

HELENA ALMEIDA

Um nome de autor não é simplesmente um elemento de um discurso, ele exerce relativamente aos discursos, tanto os da escrita, como os discursos plásticos, um certo papel: assegura uma função classificativa; um tal nome permite reagrupar um certo número de obras, delimitá-las, seleccioná-las, opô-los a outras obras. Além disso o nome de autor faz com que as obras plásticas se relacionem entre si. O nome de autor serve para caracterizar um certo modo de ser do discurso: para um discurso ter um nome de autor, o facto de se poder dizer que “isto foi escrito , pintado ou fotografado por fulano”, ou que tal ou tal indivíduo é o autor, indica que esse discurso não é um discurso indiferente um discurso flutuante e passageiro, mas que se trata de um discurso que deve ser recebido de uma certa maneira, e que deve pois ter um certo estatuto. O nome de autor não transita, como o nome próprio, do interior de uma determinada obra para o indivíduo real e exterior que o produziu, mas que de algum modo, circunda a obra delimitando-a, manifestando-lhe o seu modo de ser, caracterizando-a. Ele promove um certo conjunto de imagens, refere-se ao estatuto dessas imagens e discursos no interior de uma sociedade e de uma cultura. O nome de autor está também na rotura que se instaura num certo espectro artístico, e na afirmação de um certo modo de ser singular e peculiar. Tal como dizia Pablo Picasso: belo, é o que tem carácter.

A função de autor é assim caracterizada pelo modo de existir, de circular, e de funcionar de uma obra no interior de uma sociedade. E tanto mais ainda se o autor se transformar num transgressor. Ele é o resultado de uma operação complexa que constrói um certo ser racional. Tenta-se dar a este ser racional um estatuto realista: seria no indivíduo uma instância profunda, um poder criador, um projecto, um trabalho original.

Drawing, 1999

O que de facto faz de um indivíduo um autor, é a projecção que dele se faz no sentido dos traços que estabelecemos como pertinentes, como consequentes, dentro da coerência possível em termos estéticos, da determinação no sentido da prossecução do seu objecto ao longo do tempo.

A obra da artista tem coerência. Não se põe já a questão do juízo do bonito ou do feio, mas a análise da obra tendo em conta a personalidade da artista. Morelli por exemplo entende a coerência como a constância de modos figurativos, ou mais precisamente como recorrência de certos “ maneirismos” como por exemplo o modo de desenhar ou fotografar as mãos, ou quaisquer outras partes do corpo, como é o caso em Helena Almeida.

A pesquisa em arte faz-se directamente analisando a obra de arte no seu conceito estilístico e técnico. O seu trabalho é muito diversificado e é composto por pintura, escultura, desenho, gravura, e sobretudo fotografia. Evidenciou-se neste último registo, e tem sido aliás com grande intensidade que se tem debruçado nesta pesquisa estética de há uns anos a esta parte. Começa no início da sua carreira por apresentar uma pintura de cariz abstracto / geométrico, e desde logo se começa também a notar a tendência para pôr em causa a questão do próprio suporte. Encontram-se os primeiros indícios de deslocalização das próprias molduras para fora das telas. Faz instalações com diversos materiais, faz performances diversas, começam a surgir as primeiras telas habitadas por volta dos anos 70. Começa a utilizar o próprio corpo como suporte para o seu trabalho, tendo a ajuda preciosa do marido que funciona como o complemento indispensável à sua actividade artística. À semelhança de Lúcio Fontana começa também ela a provocar rasgões na tela, de tal forma, que obsessivamente parece querer entrar na próprio espaço e dele fazer parte integrante. È presumivelmente uma forma de desconstrução da obra, ou de outro modo o questionamento da relação e do posicionamento da própria artista face à tela. Daí também os títulos de“ Tela Habitada “, que denunciam de certo modo o enquadramento espacial e conceptual do seu trabalho. Dela diz o comissário e curador Delfim Sardo: - « Helena Almeida é uma artista singular, com um percurso único, e a vários títulos exemplar. Complexo na sua formulação, o método de trabalho de Helena Almeida desagua na utilização de fotografias a preto e branco, imagem de si mesma nas quais parece retratar-se a memória de uma acção, de uma performance. Falar do trabalho de Helena Almeida é uma tarefa difícil, porque a corporalidade, a relação com o espaço e a singularidade do seu processo criativo colocam interrogações e questões acerca da própria natureza do que vemos: trata-se de fotografia, ou de desenho por via de um diferente suporte? Será que é uma memória da pintura e da sua crítica, ou a massa deste corpo interroga a escultura e a espacialidade» ?

Drawing from de series “ O Atelier “

Helena Almeida tem um grande fascínio pelo negro. Não podemos dizer com segurança até que ponto poderá ter tido ou não influência de outros artistas, mas pela constância e determinação com que vem desenvolvendo o seu trabalho com base neste contraste poderoso, e nesta dualidade negro/branco, sugere-nos a obra desse outro grande artista americano, que fez parte da Escola de Nova York: Robert Motherwell, ou Franz Kline ou mesmo o francês Pierre Soulages. Este tipo de artistas que tem esta atracção intensa pelo negro, fazem-nos questionar o conceito da sua obra, no sentido em que o negro é o paradigma do trágico, do enigmático do misterioso e insondável. O corpo de Helena Almeida é frequentemente representado e transformado numa mancha negra. Julgo que é uma boa questão a de nos interrogarmos sobre qual o tipo de metáfora que a artista pretende abordar. Os movimentos do corpo, a sua coreografia parecem por vezes querer seduzir o observador. Ao contrário de Jorge Molder que é por vezes classificado como profundamente narcisista, Helena Almeida protagoniza um trabalho artístico que não incide de forma determinante, na questão da máscara, de auto- retrato, nem tem o carácter de personagem, nem de auto representação .A artista faz pintura através da fotografia, tendo como ponto forte a mancha, para a qual utiliza como pretexto o próprio corpo. Tem feito um trabalho de grande pesquisa, de grande depuração estética, até ter atingido o ponto de estabilização que se tem mantido estável até ao presente. O seu corpo torna-se pois num instrumento de criação, de espaço de pintura, de espaço plástico. O modo como constrói as suas imagens tem muito a ver, tanto com o cinema, como com a pintura ou a performance, ou mesmo a banda desenhada. Ela interage com uma série de códigos artísticos. De certo modo a sua obra é uma metáfora do silêncio e também da solidão; tem algo de paradoxal, já que se pressente quer pelo contexto e composição do seu trabalho, quer pela presença contínua do seu corpo, uma necessidade intrínseca de comunicação. A atracção pelo azul como forma de complemento estético do seu trabalho, significa por um lado uma mensagem simbólica de energia e espaço. Faz de algum modo lembrar as performances de um outro artista mundialmente famoso, que utilizava o elemento feminino como ponte de mediação artística, utilizando também o corpo feminino, mas desnudado, para funcionar como trincha humana, para ser mais uma alternativa de aplicar a cor azul, elevada por ele ao estatuto universal de sublimidade.- Yves Klein.

Dos Espaços B, 2006

A tela para Helena Almeida converteu-se numa figura antropomórfica. Isto é: o relacionamento da artista com aquele suporte artístico, desenvolveu-se de tal forma que,

tal como no homem primitivo cuja ligação á natureza tem características primordiais, em que homem e natureza fazem intrinsecamente parte do todo, assim a artista e a tela se confundem também, numa unidade essencial. Por outro lado o seu trabalho traduz-se já num signo como princípio estrutural do seu facto artístico. Já não deduz a sua metodologia de uma filosofia da arte ou de uma estética, mas da linguística. A questão refere-se à redutibilidade ou não redutibilidade da sua arte ao sistema da comunicação, e à possibilidade de distinguir um nível estético no âmbito da comunicação.É isso que de facto acontece em Helena Almeida que entra pois no campo da semântica.

O carácter geral da sua obra assume frequentemente aspectos Kafkianos. Isto na medida em que frequentemente insiste na mancha negra, bem como na transmutação que a conduz a uma espécie de metamerfose evolutiva, ou ao carácter soturno e dramático do seu trabalho. Tal é o aspecto profundo e marcante ao qual ninguém pode ficar indiferente. Por vezes secciona partes do corpo por forma a dar-lhes ênfase. Umas vezes dá enfoque aos pés como metáfora da base da realidade da vida. Outras vezes

enfatiza as mãos, como metáfora divina. É com as mãos que se sobe aos céus. As mãos em Helena Almeida assumem uma linguagem significativa na medida em que representam e traduzem aspectos comoventes do drama humano. As mãos imploram, as mãos rezam, as mãos anseiam, as mãos choram, as mãos trabalham, as mãos moldam, esculpem, pintam. Parece ressaltar constantemente do trabalho da artista uma certa ansiedade e angustia existencial. De resto a cor negra exprime isso mesmo, e faz lembrar por exemplo a figura de certas divas dos anos do pós-guerra, como por exemplo Juliette Greco, Greta Garbo, Marlène Dietrich ou Edit Piaff, numa época em que o existencialismo como filosofia era a dominante, e em que começava a tornar-se relevante a libertação da mulher, com expoentes como Simone de Beauvoir.

O trabalho da artista é extremamente original. Por isto mesmo as influências e as referências não são muito óbvias. Poder-se- ia dizer por analogia, que por exemplo o trabalho de Cindy Sherman poderia ter alguma aproximação, no sentido em que esta artista tem usado como meio de expressão o auto-retracto, mas só vagamente poderemos fazer esta comparação. De outro modo também podemos recordar, se é que é possível fazer o termo de comparação; com o trabalho de Robert Mapplethorp. O trabalho de Helena Almeida parece ser um trabalho minimalista e conceptual. Por outro lado existe uma sequência de imagens que nos leva a deduzir um movimento, como no tempo das primeiras imagens dos irmãos Lumière.

Helena Almeida criou um tipo de trabalho fortemente ideosincrático, e portanto muito pessoal, muito coreográfico. Ela recusa a ideia de espectáculo e portanto a ideia de representação. Pretende tão só fazer um quadro, usando em permanência o seu corpo em constante movimento performativo. Este tipo de trabalho implica necessariamente uma investigação continuada, e uma confrontação constante com o corpo e os seus limites.

Em Helena Almeida o trabalho, a persistência e a tenacidade , bem como a ajuda preciosa do marido, são-lhe muito úteis. Para além do mais teve a inteligência e a perspicácia de criar uma obra original, de características autorais que quer se goste quer não tem que ser respeitada.



HELENA ALMEIDA - BIOGRAFIA

HELENA ALMEIDA

Helena Almeida nasceu em Lisboa em 1934. Tirou o curso de pintura da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa.

Filha do escultor Leopoldo de Almeida, começou a expor regularmente a partir do fim da década de 60. Nos finais dos anos 70 inicia a sua internacionalização com exposições individuais em Berna, em Basel, em Paris, e em Bruxelas. Em 1982 é representante de Portugal na Bienal internacional de Veneza. Helena Almeida é detentora de uma linguagem estética muito peculiar, muito própria, e de forte cariz autoral . Se seguíssemos os conceitos de Foucault poderíamos dizer que o trabalho de Helena Almeida se impõe por si próprio independentemente do nome da autora. A capacidade autoral reside na faculdade de alterar, de reorientar o campo do conhecimento e da investigação, e do discurso. De facto só existe autor quando se sai do anonimato porque se reorientam os campos da investigação, se criam novos sistemas discursivos.


sábado, 30 de junho de 2007

HELENA ALMEIDA - A DIVA DA CONTEMPORANEIDADE EM PORTUGAL

EDITORIAL

Em 1960 Clement Greenberg tinha definido o curso da arte moderna como uma história de clarificação e de depuração da pintura. Parece ser uma lei da arte moderna, válida para quase toda a arte que permanece verdadeiramente viva no nosso tempo, que aquelas convenções que não são fundamentais para a capacidade de sobrevivência de um medium sejam abandonadas assim que são identificadas. Este processo de auto depuração elimina o entulho historicamente amontoado de confusões, imprecisões e obscuridades nos diversos géneros. Depressa se tornou evidente que a área de competência específica e singular de cada arte, coincidia com aquilo que era único na natureza do seu medium. Assim toda a arte se tornaria “pura”e encontraria na sua “pureza” a garantia da sua qualidade e da sua independência.
O novo “medium” da fotografia veio de algum modo sobrepor-se, ou pelo menos estabelecer um certo paralelismo com a pintura actual. A ameaça de uma resposta negativa do declínio da pintura, sempre acompanhou em sucessivas vagas a história da pintura moderna, sobretudo a abstracta. Um pequeno grupo de pintores reagiu a essa ameaça, quando percebeu que a função social preenchida pela da pintura tinha sido assumida pela fotografia, e pela produção industrial de imagens.
No caso particular do nosso país, a nossa artista Helena Almeida emergiu como um grande paradigma do trabalho fotográfico, muito específico e característico, e de certo modo também, da articulação com a pintura.
No inicio dos anos 60, .tal como para muitos artistas dessa época, também para Gerhard Richter a pintura se tinha tornado impossível. O que para ele não significava cortar com a pintura, mas antes excluir da pintura toda a idealidade. Significava continuar a pintar mas em rotura total com o projecto ontológico completamente esgotado da arte moderna.
Nos anos 80 os filósofos começaram a utilizar o termo “pós-moderno” para definir a extinção do espírito Hegeliano que conduzira às vanguardas e ás neo-vanguardas, recuperando o espírito de Nietzche numa altura em que o marxismo que imperava atingia o seu declínio.
Em Thomás Shutte por exemplo, o discurso “pós-modernista” enfatiza o carácter não criativo dos seus trabalhos predominantemente fotográficos, a repetição de imagens já existentes, e a exclusão de traços gestuais. A imagem na arte dos anos 80 já não é a imagem contra a qual a arte minimal e conceptual se insurgiu. Não é a imagem da representação. É reprodução ou reorganização. Ao recusar a representação, ao reclamar a realidade, duas distintas concepções de arte encontram-se.
O pós-modernismo não pretende ser um “pós” no sentido cronológico do termo, mas como uma contraposição à modernidade, abrindo uma nova era de desconfiança, colocando em crise os alicerces da época moderna.
Os tempos tinham mudado, e nos anos 60 e 70 formaram-se movimentos de contra cultura adversos aos princípios modernos já desactualizados, na busca de novas formas de expressão, mais viradas para a individualidade e procurando estilos que permitissem uma ruptura, de que a arte conceptual é um exemplo.
O pós-modernismo desviou a atenção do homem, entendido como género humano, para o indivíduo, visto singularmente na sua realidade, que já não é uma consequência de acontecimentos, mas pura e simplesmente uma descontinuidade e uma sucessão de fragmentos.
Helena Almeida como contemporânea desta era pós-moderna, não poderia inevitàvelmente fugir à sua influência.


HELENA ALMEIDA
A DIVA DA CONTEMPORANEIDADE EM PORTUGAL


Helena Almeida nasceu em Lisboa em 1934. Tirou o curso de pintura da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa.
Filha do escultor Leopoldo de Almeida, começou a expor regularmente a partir do fim da década de 60. Nos finais dos anos 70 inicia a sua internacionalização com exposições individuais em Berna, em Basel, em Paris, e em Bruxelas.
Em 1982 é representante de Portugal na Bienal internacional de Veneza. Helena Almeida é detentora de uma linguagem estética muito peculiar, muito própria, e de forte cariz autoral . Se seguíssemos os conceitos de Foucault poderíamos dizer que o trabalho de Helena Almeida se impõe por si próprio, independentemente do nome da autora. A capacidade autoral reside na faculdade de alterar, de reorientar o campo do conhecimento e da investigação, e do discurso. De facto só existe autor quando se sai do anonimato porque se reorientam os campos da investigação, se criam novs sistemas discursivos. Um nome de autor não é simplesmente um elemento de um discurso, ele exerce relativamente aos discursos, tanto os da escrita, como os discursos plásticos, um certo papel: assegura uma função classificativa; um tal nome permite reagrupar um certo número de obras, delimitá-las, seleccioná-las, opô-los a outras obras. Além disso o nome de autor faz com que as obras plásticas se relacionem entre si. O nome de autor serve para caracterizar um certo modo de ser do discurso: para um discurso ter um nome de autor, o facto de se poder dizer que “isto foi escrito , pintado ou fotografado por fulano”, ou que tal ou tal indivíduo é o autor, indica que esse discurso não é um discurso indiferente um discurso flutuante e passageiro, mas que se trata de um discurso que deve ser recebido de uma certa maneira, e que deve pois ter um certo estatuto. O nome de autor não transita, como o nome próprio, do interior de uma determinada obra para o indivíduo real e exterior que o produziu, mas que de algum modo, circunda a obra delimitando-a, manifestando-lhe o seu modo de ser, caracterizando-a. Ele promove um certo conjunto de imagens, refere-se ao estatuto dessas imagens e discursos no interior de uma sociedade e de uma cultura. O nome de autor está também na rotura que se instaura num certo espectro artístico, e na afirmação de um certo modo de ser singular e peculiar. Tal como dizia Pablo Picasso: belo, é o que tem carácter.
A função de autor é assim caracterizada pelo modo de existir, de circular, e de funcionar de uma obra no interior de uma sociedade. E tanto mais ainda se o autor se transformar num transgressor. Ele é o resultado de uma operação complexa que constrói um certo ser racional. Tenta-se dar a este ser racional um estatuto realista: seria no indivíduo uma instância profunda, um poder criador, um projecto, um trabalho original.
O que de facto faz de um indivíduo um autor, é a projecção que dele se faz no sentido dos traços que estabelecemos como pertinentes, como consequentes, dentro da coerência possível em termos estéticos, da determinação no sentido da prossecução do seu objecto ao longo do tempo. A obra da artista tem coerência. Não se põe já a questão do juízo do bonito ou do feio, mas a análise da obra tendo em conta a personalidade da artista. Morelli por exemplo entende a coerência como a constância de modos figurativos, ou mais precisamente como recorrência de certos “ maneirismos” como por exemplo o modo de desenhar ou fotografar as mãos, ou quaisquer outras partes do corpo, como é o caso em Helena Almeida. A pesquisa em arte faz-se directamente analisando a obra de arte no seu conceito estilístico e técnico. O seu trabalho é muito diversificado e é composto por pintura, escultura, desenho, gravura, e sobretudo fotografia. Evidenciou-se neste último registo, e tem sido aliás com grande intensidade que se tem debruçado nesta pesquisa estética de há uns anos a esta parte. Começa no início da sua carreira por apresentar uma pintura de cariz abstracto / geométrico, e desde logo se começa também a notar a tendência para pôr em causa a questão do próprio suporte. Encontram-se os primeiros indícios de deslocalização das próprias molduras para fora das telas. Faz instalações com diversos materiais, faz performances diversas, começam a surgir as primeiras telas habitadas por volta dos anos 70. Começa a utilizar o próprio corpo como suporte para o seu trabalho, tendo a ajuda preciosa do marido que funciona como o complemento indispensável à sua actividade artística. À semelhança de Lúcio Fontana começa também ela a provocar rasgões na tela, de tal forma, que obsessivamente parece querer entrar na próprio espaço e dele fazer parte integrante. È presumivelmente uma forma de desconstrução da obra, ou de outro modo o questionamento da relação e do posicionamento da própria artista face à tela. Daí também os títulos de“ Tela Habitada “, que denunciam de certo modo o enquadramento espacial e conceptual do seu trabalho.
Dela diz o comissário e curador Delfim Sardo: - « Helena Almeida é uma artista singular, com um percurso único, e a vários títulos exemplar. Complexo na sua formulação, o método de trabalho de Helena Almeida desagua na utilização de fotografias a preto e branco, imagem de si mesma nas quais parece retratar-se a memória de uma acção, de uma performance. Falar do trabalho de Helena Almeida é uma tarefa difícil, porque a corporalidade, a relação com o espaço e a singularidade do seu processo criativo colocam interrogações e questões acerca da própria natureza do que vemos: trata-se de fotografia, ou de desenho por via de um diferente suporte? Será que é uma memória da pintura e da sua crítica, ou a massa deste corpo interroga a escultura e a espacialidade» ?
Helena Almeida tem um grande fascínio pelo negro. Não podemos dizer com segurança até que ponto poderá ter tido ou não influência de outros artistas, mas pela constância e determinação com que vem desenvolvendo o seu trabalho com base neste contraste poderoso, e nesta dualidade negro/branco, sugere-nos a obra desse outro grande artista americano, que fez parte da Escola de Nova York: Robert Motherwell, ou Franz Kline ou mesmo o francês Pierre Soulages. Este tipo de artistas que tem esta atracção intensa pelo negro, fazem-nos questionar o conceito da sua obra, no sentido em que o negro é o paradigma do trágico, do enigmático do misterioso e insondável. O corpo de Helena Almeida é frequentemente representado e transformado numa mancha negra. Julgo que é uma boa questão a de nos interrogarmos sobre qual o tipo de metáfora que a artista pretende abordar. Os movimentos do corpo, a sua coreografia parecem por vezes querer seduzir o observador. Ao contrário de Jorge Molder que é por vezes classificado como profundamente narcisista, Helena Almeida protagoniza um trabalho artístico que não incide de forma determinante, na questão da máscara, de auto- retrato, nem tem o carácter de personagem, nem de auto representação .A artista faz pintura através da fotografia, tendo como ponto forte a mancha, para a qual utiliza como pretexto o próprio corpo. Tem feito um trabalho de grande pesquisa, de grande depuração estética, até ter atingido o ponto de estabilização que se tem mantido estável até ao presente. O seu corpo torna-se pois num instrumento de criação, de espaço de pintura, de espaço plástico. O modo como constrói as suas imagens tem muito a ver, tanto com o cinema, como com a pintura ou a performance, ou mesmo a banda desenhada. Ela interage com uma série de códigos artísticos. De certo modo a sua obra é uma metáfora do silêncio e também da solidão; tem algo de paradoxal, já que se pressente quer pelo contexto e composição do seu trabalho, quer pela presença contínua do seu corpo, uma necessidade intrínseca de comunicação. A atracção pelo azul como forma de complemento estético do seu trabalho, significa por um lado uma mensagem simbólica de energia e espaço. Faz de algum modo lembrar as performances de um outro artista mundialmente famoso, que utilizava o elemento feminino como ponte de mediação artística, utilizando também o corpo feminino, mas desnudado, para funcionar como trincha humana, para ser mais uma alternativa de aplicar a cor azul, elevada por ele ao estatuto universal de sublimidade.- Yves Klein.
A tela para Helena Almeida converteu-se numa figura antropomórfica. Isto é: o relacionamento da artista com aquele suporte artístico, desenvolveu-se de tal forma que,
tal como no homem primitivo cuja ligação á natureza tem características primordiais, em que homem e natureza fazem intrinsecamente parte do todo, assim a artista e a tela se confundem também, numa unidade essencial. Por outro lado o seu trabalho traduz-se já num signo como princípio estrutural do seu facto artístico. Já não deduz a sua metodologia de uma filosofia da arte ou de uma estética, mas da linguística. A questão refere-se à redutibilidade ou não redutibilidade da sua arte ao sistema da comunicação, e à possibilidade de distinguir um nível estético no âmbito da comunicação.É isso que de facto acontece em Helena Almeida que entra pois no campo da semântica.
O carácter geral da sua obra assume frequentemente aspectos Kafkianos. Isto na medida em que frequentemente insiste na mancha negra, bem como na transmutação que a conduz a uma espécie de metamerfose evolutiva, ou ao carácter soturno e dramático do seu trabalho. Tal é o aspecto profundo e marcante ao qual ninguém pode ficar indiferente. Por vezes secciona partes do corpo por forma a dar-lhes ênfase. Umas vezes dá enfoque aos pés como metáfora da base da realidade da vida. Outras vezes enfatiza as mãos, como metáfora divina. É com as mãos que se sobe aos céus. As mãos em Helena Almeida assumem uma linguagem significativa na medida em que representam e traduzem aspectos comoventes do drama humano. As mãos imploram, as mãos rezam, as mãos anseiam, as mãos choram, as mãos trabalham, as mãos moldam, esculpem, pintam. Parece ressaltar constantemente do trabalho da artista uma certa ansiedade e angustia existencial. De resto a cor negra exprime isso mesmo, e faz lembrar por exemplo a figura de certas divas dos anos do pós-guerra, como por exemplo Juliette Greco, Greta Garbo, Marlène Dietrich ou Edit Piaff, numa época em que o existencialismo como filosofia era a dominante, e em que começava a tornar-se relevante a libertação da mulher, com expoentes como Simone de Beauvoir.
O trabalho da artista é extremamente original. Por isto mesmo as influências e as referências não são muito óbvias. Poder-se- ia dizer por analogia, que por exemplo o trabalho de Cindy Sherman poderia ter alguma aproximação, no sentido em que esta artista tem usado como meio de expressão o auto-retracto, mas só vagamente poderemos fazer esta comparação. De outro modo também podemos recordar, se é que é possível fazer o termo de comparação; com o trabalho de Robert Mapplethorp. O trabalho de Helena Almeida parece ser um trabalho minimalista e conceptual. Por outro lado existe uma sequência de imagens que nos leva a deduzir um movimento, como no tempo das primeiras imagens dos irmãos Lumière. Helena Almeida criou um tipo de trabalho fortemente ideosincrático, e portanto muito pessoal, muito coreográfico. Ela recusa a ideia de espectáculo e portanto a ideia de representação. Pretende tão só fazer um quadro, usando em permanência o seu corpo em constante movimento performativo. Este tipo de trabalho implica necessariamente uma investigação continuada, e uma confrontação constante com o corpo e os seus limites.


Em Helena Almeida o trabalho, a persistência e a tenacidade , bem como a ajuda preciosa do marido, são-lhe muito úteis. Para além do mais teve a inteligência e a perspicácia de criar uma obra original, de características autorais que quer se goste quer não tem que ser respeitada.


ENTREVISTA A ANA FEIJÓ A PROPÓSITO DA OBRA DE HELENA ALMEIDA

Por: Vasco Manuel da cruz Pereira







REPORTAGEM FEITA À GALERISTA ANA FEIJÓ, DA GALERIA PRESENÇA DO PORTO, A PROPÓSITO DA ARTISTA HELENE ALMEIDA, A PEDIDO DO AUTOR DESTE TRABALHO; E QUE LHE FOI AMÀVELMENTE CONCEDIDA.




Helena Almeida não necessita de apresentação no panorama das artes plásticas portuguesas. Tal é o seu prestígio a nível nacional e internacional.
A par de um número considerável de exposições colectivas e individuais, e sendo presença incontornável nas mais distintas instituições nacionais e estrangeiras, foi no ano de 2005 a nossa ilustre representante na Bienal de Veneza . O seu trabalho tem reconhecida importância em todo o mundo.
Quem é esta mulher elegante e discreta que se dedica à arte com um empenho místico, e que através das suas fotografias, dos seus vídeos, dos seus desenhos e dos seus filmes, conseguiu atingir aspectos mágicos e a assumir foros de grande musa da arte?
O que é para ela a arte? O que é que procura através da arte? Onde é que a arte nos pode conduzir? São estas as grandes questões para as quais pretendemos legítimas respostas.

REPORTAGEM





VASCO CRUZ PEREIRA

Gostaria de perguntar o que pensa a propósito do facto de Helena Almeida utilizar permanentemente o corpo como objecto da sua arte; se poderá ser classificada como artista narcisista, à semelhança de algumas críticas que a este propósito se fazem a Jorge Molder por exemplo?





ANA FEIJÓ

Não penso que assim seja. Helena Almeida no meu entender utiliza o seu corpo como objecto que está de imediato ao seu alcance, trabalhando-o como um alvo estético, para o poder «utilizar» a seu belo prazer, dando-lhe formas, criando coreografias, estabelecendo uma espécie de dança ou de ritual místico, na sua procura incansável e permanente de uma estética peculiar, em direcção ao sublime e ao ideal ascético.

V.C.P.

Qual o significado, e a relação existente na artista, entre o desenho e a fotografia.
Pensa que terá sido um processo espontâneo, e que por exemplo a artista quis materializar a linha, fazê-la saltar do papel por meio de um fio tirado da crina de um cavalo, segurá-lo nos dedos e deixar-se fotografar com ele?


A.F

O estilo que a artista imprime ao seu trabalho fotográfico, o contraste que resulta da aplicação nítida entre negro e do branco, só por si, fazem com que o trabalho de Helena Almeida tenha uma liniariedade bem marcantes. Estas características em si mesmas permitem evidenciar com clareza o desenho no trabalho da artista. Por outro lado quando ela utiliza um fio tirado da crina de um cavalo, pretende na minha opinião, fazer com que a linha se torne mesmo veemente, que permita à artista proceder à sua materialização e talvez desse modo tornar a situação, espacial e tridimensional.
Em Helena Almeida a nitidez das formas permitem que o desenho e fotografia se transformem num só corpo, inalienável e indivisível.

V.C.P.

O que pensa a propósito de uma certa aura mágica do trabalho da artista, bem como de um certo aspecto insondável, de enigma e de mistério, que de resto é evidenciado pelo contraste vigoroso da cor branca e do negro radical que lhe são característicos?


A.F.

A própria pergunta da forma como é colocada, contém já o princípio da resposta que poderá ser efectivamente confirmada pelo que de essencial se vislumbra no trabalho de Helena Almeida. O enigma e a aura mágica são na minha opinião uma constante no trabalho da artista, bem como um certo carácter de ocultação e de desocultação. O exercício de individuação, e de uma certa tendência obsessiva no sentido de uma procura ascética, são também características que lhe poderão ser atribuíveis. A dialéctica negro/branco reforça o carácter enigmático e mágico da sua obra.



V.C.P.

O que pensa da espiritualidade no trabalho da artista Helena Almeida. Poderemos relacionar a sua obra com aspectos da teoria psicanalítica, ou dos conceitos zen ?


A.F.

Tudo quanto foi dito anteriormente nos leva a concluir que efectivamente o trabalho desta artista tem uma componente espiritual marcante. O contraste negro/branco, bem como o modo como a artista elabora a sua obra, pode de certo modo conduzir-nos ao conceito zen na medida em que estamos perante um despojamento em termos da cor, por um lado, reduzindo-a à sua expressão mais simples, Por outro lado a forma flúida da acção como presumivelmente se intui dos seus trabalhos, e ainda uma certa aura espiritual, permite-nos deduzir que Helena Almeida se eleva à categoria de artista com um forte pendor orientalista. Também uma certa introversão e clausura na sua forma de trabalho, nos pode eventualmente levar a especular sobre conceitos psicanalíticos.


V.C.P.

Pensa que o trabalho de Helena, por fazer uso das duas cores extremas, e da sua aplicação quase obsessiva, pode ser um meio de exorcisar aspectos inconscientes que tenham que ver com certos estigmas da vida da artista?




A.F.

Penso que realmente a forma insistente e quase obsessiva com que a artista trabalha, bem como o isolamento e o silêncio a que voluntariamente se submete, ( apesar da presença imprescindível do marido) nos leva a pensar que o seu trabalho funciona realmente como uma forma de introversão. No entanto não podemos afirmar que no seu percurso haja a intenção deliberada de se auto conhecer, muito embora isso possa acontecer independentemente da sua vontade; ou de exorcisar o que quer que seja, ou que o seu trabalho tenha forçosamente que ver com aspectos psicanalíticos. No entanto parece-nos que numa entrevista que a artista deu, algures, se referiu de forma afirmativa à questão da arte como exorcismo. Terá dito: « Não conheço nenhum artista que não exorcise. Exorcisar através da arte é uma função vital, é um bem de primeira necessidade.»







V.C.P.

Como poderemos nós abordar a questão da componente metafísica na obra de Helena Almeida?



A.F.

Pode realmente colocar-se a questão, mas a dificuldade de a teorizar é de tal ordem, que daria muito tempo e muito espaço para uma abordagem minimamente consistente. No entanto e tendo em conta tudo o que anteriormente foi dito, poderia ser um bom princípio para nos conduzir ao início da dissertação dicotómica e suprema da:- Arte e Metafísica.
Não deixo no entanto de mencionar a belíssima frase de Nietzche quando diz que: a arte não é uma imitação da natureza mas sim a sua componente metafísica.



V.C.P.

Qual o relacionamento que poderá ter o trabalho de Helena Almeida com a poesia, e com a dança ou mesmo com o cinema?



A.F.

Julgo que o trabalho de Helena Almeida tem a ver com a poesia, com o cinema, e também com a dança. Helena Almeida torna-se uma autora original, não somente pela imaginação, persistência, e criatividade no seu trabalho, mas também porque na essência o seu objecto artístico, lhe é absolutamente favorável á transversalidade a esses temas. Para além do mais a questão genética, e familiar pode ter indirectamente a ver com a função estética da artista.(Filha de escultor, casada com arquitecto, tem dois filhos, um artista outro arquitecto), mas sobretudo porque o seu trabalho interage com uma série de códigos artísticos que vão do desenho ao cinema, da pintura á fotografia, á escultura, á arquitectura, á performance. Estas situações tem a ver com o movimento, com a coreografia, e com a sensibilidade especial na encenação, com o monólogo e confrontação permanente consigo própria.







V.C.P.

Poderá haver alguma verosimilhança, ou poderemos de alguma maneira fazer a comparação do seu trabalho, ao dos grandes artistas na área da fotografia? Estou a lembrar-me por exemplo de Robert Mapplethorp. ou de Cindy Sherman.


A.F.

O que julgo haver de comum entre Helena Almeida e esses dois grandes artistas, é a utilização do corpo como pretexto e como suporte para os seus respectivos trabalhos. É evidente que cada um tem o seu estilo próprio, muito afirmativo e muito peculiar. No entanto no caso particular de Robert Mapplethorp, é também pertinente abordar a questão da intensidade do claro/escuro e da forma magistral como ele dá ênfase á forma e á estética do corpo humano.
Em Cindy Sherman a tónica é posta na auto representação obsessiva, mas de forma algo melancólica e dramática .




V.C.P.

Como encara a obra da artista?
- No sentido da sedução do espectador?
- No sentido do dramático?
- No sentido do sublime?
- No sentido metafísico?
- No sentido Místico?
- No sentido de missão e de sacerdócio?



A.F.

Não sei se poderemos dizer que existe algo de dramático na obra da artista. A nota que poderá ter alguma ressonância nesse sentido, será a presença continuada da dicotomia da cor negra e branca apesar de algumas vezes ela fazer uso da cor azul e outras vezes da cor vermelha ao pretender quebrar um pouco o tom monocórdico do seu trabalho.
No entanto relativamente á questão da sedução, do sentido do sublime, do sentido místico e do metafísico, parece não haver dúvidas de que de facto isso pode ser considerado uma constante da artista, bem como seu de missão e de sacerdócio. O fio condutor do trabalho de Helena Almeida, leva-nos a concluir que faz todo o sentido admitirmos a legitimidade e a veracidade de todos estes pressupostos.


























HELENA ALMEIDA: APRENDER A VER

(Por Ângela Molina)




-RUINAS
-MATER DOLOROSA
-PINTURA GESTADA
-NO INÍCIO, ESCORREGOU
-ESPELHO/REPETIÇÂO
-CELEBRAR A POSSIBILIDADE



Recensão crítica sobre a colectânea de trabalhos seleccionados por Angela Molina


“ A ruina ou espaço em branco que vemos na natureza-escreveu Ralph Waldo Emerson-está no nosso olho”. ... “ Nesse transporte pelos espaços em branco, que não podem distinguir-se do escuro nem da tela como espelho, a artista lisboeta Helena Almeida é capaz de viver e reviver nessa ruína, interiorizá-la,escutá-la no seu eco e devolvê-la à natureza a partir de um olho- o seu olho-palpitante , tão Emersoniano”. ...



Na longa tradição das artes do Ocidente, o uso de processos miméticos tomando como forma de comunicação privilegiada entre diversas formas de arte, foi tema de longos ensaios, e aqueles vem sendo há muito estudados.
Quando a fotografia deu os primeiros passos: então simples técnica servindo a pouco mais do que a representação pura e simples das coisas e dos objectos, a sua necessidade de se ancorar num qualquer referencial, levá-la-ia a buscar na pintura os seus modelos de representação. Vemos portanto nos primeiros anos da sua existência, registos tal como se viam nas paisagens do naturalismo. Temos portanto que a fotografia começa a pretender e a desejar apropriar-se de modelos anteriores, a ter vontade de abranger uma dimensão artística nova, já que as novas técnicas de arte não surgem do nada e portanto têm que se basear em dados e conceitos já adquiridos.
Nas últimas três décadas Helena Almeida utilizou o próprio corpo como possibilidade libertadora da expressão, rasgando ou ligando suportes, criando uma arte disciplinar onde os limites entre o desenho, pintura, escultura, e fotografia, são constantemente reavaliados.
Nesse percurso, noções como estar «além de..», «fora de», ou «dentro de» relacionam-se com uma prática que tenta fazer coincidir o gesto e a performance com a edificação de um teatro muito pessoal onde a sua própria imagem é o único elemento constante.
É uma espécie de invenção do próprio corpo. O corpo físico e o corpo da arte, num contexto em que sobressai um certo pessimismo, e mesmo um certo dramatismo. É uma interioridade em que a artista deixa entrever uma certa ansiedade. Em que transparece um certo carácter obsessivo, apesar de a artista paradoxalmente trabalhar lúdicamente o corpo, imprimindo-lhe emoção e energia, num circuito em que a coreografia e a poesia tem lugar.
Toda a obra desta artista é como uma imensa tela que recupera a ideia de pintura , que sofre da nostalgia da pintura, mas que renova numa espiral superior, através da fotografia, o espírito sublime da sua arte. Renova a compreensão que temos acerca do modo de ver, e também da perspectiva e da compreensão que temos do mundo.
Helena Almeida transforma o acto de pintar numa espécie de sacerdócio, mesmo numa espécie de eucaristia. Se lhe dermos o epíteto de sacerdotisa não será excessivo. Helena Almeida no inicio da sua carreira, nas suas obras, desmonta a estrutura lógica e a percepção da pintura. Dá a ver o que é suposto estar escondido, e vai transformando as telas através da inclusão de persianas ou da portadas em janelas concretas mas completamente disfuncionalisadas. São janelas em que não se vê nenhuma paisagem ou cena, mas unicamente as costas das telas. O suporte tradicional da tela era utilizado de uma forma concreta e original no seu trabalho.
Toda a riqueza gestual, feita com poucos recursos, faz do trabalho da artista, um trabalho de não muita distância entre o expressionismo e o minimalismo, que pode ser visto na obra com o título de: « Desenho Habitado», na qual as fotografias mostram o traço de tinta que se liberta do suporte com a ajuda da mão que gesticula sobre o espaço.
A sensação de profundidade criada pela luz, contribui para que a linha recta se transforme num campo tridimensional, já que o traço “ salta “ do papel ajudando a libertar o desenho, para se ir situar na palma da mão. Esta é uma imagem metafórica, já que a linha em questão é um fio tirado da crina de um cavalo.
Portanto a artista manipula mediante uma determinada lógica, determinados materiais.
Não procura fontes ou origens, mas estruturas de significação De baixo de cada imagem há sempre outra imagem. Nestas imagens os modos de proceder artísticos como por exemplo as “ performances “ de Helena Almeida, podem-se transpor e transformar em enquadramentos e encenações ,e de tal modo ela o faz, que acaba por transgredir os limites estéticos e os transformar em códigos culturais.
Na opinião de Owens não são só os meios que provocam clivagens no campo da estética, mas também os diversos níveis de leitura e de representação: o «impulso alegórico» desconstrói o paradigma simbólico da modernidade. A apropriação, a transitoriedade, a acumulação o hibridismo, a discursividade - estas estratégias múltiplas caracterizam grande parte da arte actual e distinguem-na das suas fases anteriores. Em Helena Almeida o seu trabalho confirma de certo modo este tipo de premissas, e como artista pós- moderna, inevitávelmente sofreu também todas estas influências.
A artista com as suas imagens fotográficas, propõe-nos auto-representações no sentido em que são imagens de si mesma. Mas é intrigante o facto de se intuir, que não será essa a característica que define a questão da estruturação e da diferenciação da sua obra. Será que a relevância do seu trabalho se pode atribuir à” performance”, ao gesto ou à atitude, ou será que a fotografia não passa disso mesmo? Ou ainda que a fotografia surge como um duplo da pintura e do desenho, embora como meio diferenciado, no sentido em que se pode atingir outro nível estético e outro nível de representação?


No seu trabalho: Estudo para um enriquecimento interior, uma série de seis fotografias a branco e negro relata o movimento de uma mão e um pincel que arrasta uma mancha azul sobre uma superfície branca”. ...
A série de trabalhos, Estudos para um enriquecimento interior, continua através da pintura um processo que foi iniciado no desenho. A diferença reside em que no caso do

desenho o processo é inverso na medida em que é efectuado do presente para o passado, da representação para a realidade, no caso anterior é precisamente o oposto.
Isto é, a sequência representada pela pincelada azul sobre a série de fotografias, é feita de forma a que a artista a incopora e a simula engolir, o que faz pensar na situação de um ritual de comunhão com a arte, e de tal forma, que de facto efectivamente se cosumasse.
Noutra série de trabalhos e para terminar a década de 70, a série:-Sente-me, Ouve- me, Vê-me -, representam um conjunto que usam a fotografia e também uma peça produtora de som, que foi utilizada em Vê-me (obra exclusivamente sonora). Este tipo de procedimentos faz alargar o campo de acção da artista tornando o processo sensorial muito mais abrangente.
Esta obra sonora foi usada pelo coreógrafo e bailarino João Fiadeiro no espéctáculo I am here, apresentado no Centro George Pompidou em 2003. A obra consiste num diálogo com o trabalho de Helena Almeida, utilizando também outro tipo de suportes sensoriais.
As imagens com o título de “sente-me” mostram-nos os olhos cerrados, as imagens com o título de “ouve-me” mostram-nos os lábios cerrados (suturados, cosidos com linha) como se a artista tivesse necessidade de exprimir algo, mas estando disso impossibilitada.

Na série “voar”, trabalho feito já em tons azulados, a artista colocada em cima de uma cadeira, debruços, de braços abertos como quem pretende levantar vôo, parece insinuar uma pose de libertação, talvez como metáfora à própria liberdade da criação artística. No trabalho “Negro Agudo” sente-se a força pujante e poderosa do negro maçisso sobre a superfície branca, quase como um paradigma do trabalho do artista da Escola de Nova York, Franz Kline. A violência impressiva deste trabalho quase não deixa visibilidade à própria cabeça da artista Helena Almeida. É um trabalho pujante a que não se pode ficar indiferente.
Na série “Desenho Habitado” a beleza da pose das mãos, bem como a sensibilidade posta no acto de pegar no fio , ou na crina de cavalo, revelam a excelência do “fazer” , bem como da qualidade fotográfica da peça, elevando este trabalho a um nível daquilo a que poderemos chamar de : espiritualidade na arte.