ENTREVISTA A ANA FEIJÓ SOBRE A OBRA DE HELENA ALMEIDA
Por: Vasco Manuel da Cruz Pereira
ENTREVISTA FEITA À GALERISTA ANA FEIJÓ
GALERIA PRESENÇA, DO PORTO,
SOBRE A OBRA DA ARTISTA HELENE ALMEIDA,
Helena Almeida não necessita de apresentação no panorama das artes plásticas portuguesas. Tal é o seu prestígio a nível nacional e internacional.
A par de um número considerável de exposições colectivas e individuais, e sendo presença incontornável nas mais distintas instituições nacionais e estrangeiras, foi no ano de 2005 a nossa ilustre representante na Bienal de Veneza . O seu trabalho tem reconhecida importância em todo o mundo.
Quem é esta mulher elegante e discreta que se dedica à arte com um empenho místico, e que através das suas fotografias, dos seus vídeos, dos seus desenhos e dos seus filmes, conseguiu atingir aspectos mágicos e a assumir foros de grande musa da arte?
O que é para ela a arte? O que é que procura através da arte? Onde é que a arte nos pode conduzir? São estas as grandes questões para as quais pretendemos legítimas respostas.
ENTREVISTA
VASCO CRUZ PEREIRA
Gostaria de perguntar o que pensa a propósito do facto de Helena Almeida utilizar permanentemente o corpo como objecto da sua arte; se poderá ser classificada como um gesto narcisista, à semelhança de algumas críticas que a este propósito se fazem a Jorge Molder por exemplo?
ANA FEIJÓ
Não penso que assim seja. Helena Almeida no meu entender utiliza o seu corpo como objecto que está de imediato ao seu alcance, trabalhando-o como um alvo estético, para o poder «utilizar» a seu belo prazer, dando-lhe formas, criando coreografias, estabelecendo uma espécie de dança ou de ritual místico, na sua procura incansável e permanente de uma estética peculiar, em direcção ao sublime e ao ideal ascético.
V.C.P.
Qual o significado, e a relação existente na artista, entre o desenho e a fotografia.
Pensa que terá sido um processo espontâneo, e que por exemplo a artista quis materializar a linha, fazê-la saltar do papel por meio de um fio tirado da crina de um cavalo, segurá-lo nos dedos e deixar-se fotografar com ele?
A.F
O estilo que a artista imprime ao seu trabalho fotográfico, o contraste que resulta da aplicação nítida entre negro e do branco, só por si, fazem com que o trabalho de Helena Almeida tenha uma liniariedade bem marcantes. Estas características em si mesmas permitem evidenciar com clareza o desenho no trabalho da artista. Por outro lado quando ela utiliza um fio tirado da crina de um cavalo, pretende na minha opinião, fazer com que a linha se torne mesmo veemente, que permita à artista proceder à sua materialização e talvez desse modo tornar a situação, espacial e tridimensional.
Em Helena Almeida a nitidez das formas permitem que o desenho e fotografia se transformem num só corpo, inalienável e indivisível.
V.C.P.
O que pensa a propósito de uma certa aura mágica do trabalho da artista, bem como de um certo aspecto insondável, de enigma e de mistério, que de resto é evidenciado pelo contraste vigoroso da cor branca e do negro radical que lhe são característicos?
A.F.
A própria pergunta da forma como é colocada, contém já o princípio da resposta que poderá ser efectivamente confirmada pelo que de essencial se vislumbra no trabalho de Helena Almeida. O enigma e a aura mágica são na minha opinião uma constante no trabalho da artista, bem como um certo carácter de ocultação e de desocultação. O exercício de individuação, e de uma certa tendência obsessiva no sentido de uma procura ascética, são também características que lhe poderão ser atribuíveis. A dialéctica negro/branco reforça o carácter enigmático e mágico da sua obra.
V.C.P.
O que pensa da espiritualidade no trabalho da artista Helena Almeida. Poderemos relacionar a sua obra com aspectos da teoria psicanalítica, ou dos conceitos zen ?
A.F.
Tudo quanto foi dito anteriormente nos leva a concluir que efectivamente o trabalho desta artista tem uma componente espiritual marcante. O contraste negro/branco, bem como o modo como a artista elabora a sua obra, pode de certo modo conduzir-nos ao conceito zen na medida em que estamos perante um despojamento em termos da cor, por um lado, reduzindo-a à sua expressão mais simples, Por outro lado a forma flúida da acção como presumivelmente se intui dos seus trabalhos, e ainda uma certa aura espiritual, permite-nos deduzir que Helena Almeida se eleva à categoria de artista com um forte pendor orientalista. Também uma certa introversão e clausura na sua forma de trabalho, nos pode eventualmente levar a especular sobre conceitos psicanalíticos.
V.C.P.
Pensa que o trabalho de Helena, por fazer uso das duas cores extremas, e da sua aplicação quase obsessiva, pode ser um meio de exorcisar aspectos inconscientes que tenham que ver com certos estigmas da vida da artista?
A.F.
Penso que realmente a forma insistente e quase obsessiva com que a artista trabalha, bem como o isolamento e o silêncio a que voluntariamente se submete, ( apesar da presença imprescindível do marido) nos leva a pensar que o seu trabalho funciona realmente como uma forma de introversão. No entanto não podemos afirmar que no seu percurso haja a intenção deliberada de se auto conhecer, muito embora isso possa acontecer independentemente da sua vontade; ou de exorcisar o que quer que seja, ou que o seu trabalho tenha forçosamente que ver com aspectos psicanalíticos. No entanto parece-nos que numa entrevista que a artista deu, algures, se referiu de forma afirmativa à questão da arte como exorcismo. Terá dito: « Não conheço nenhum artista que não exorcise. Exorcisar através da arte é uma função vital, é um bem de primeira necessidade.»
V.C.P.
Como poderemos nós abordar a questão da componente metafísica na obra de Helena Almeida?
A.F.
Pode realmente colocar-se a questão, mas a dificuldade de a teorizar é de tal ordem, que daria muito tempo e muito espaço para uma abordagem minimamente consistente. No entanto e tendo em conta tudo o que anteriormente foi dito, poderia ser um bom princípio para nos conduzir ao início da dissertação dicotómica e suprema da:- Arte e Metafísica.
Não deixo no entanto de mencionar a belíssima frase de Nietzche quando diz que: a arte não é uma imitação da natureza mas sim a sua componente metafísica.
V.C.P.
Qual o relacionamento que poderá ter o trabalho de Helena Almeida com a poesia, e com a dança ou mesmo com o cinema?
A.F.
Julgo que o trabalho de Helena Almeida tem a ver com a poesia, com o cinema, e também com a dança. Helena Almeida torna-se uma autora original, não somente pela imaginação, persistência, e criatividade no seu trabalho, mas também porque na essência o seu objecto artístico, lhe é absolutamente favorável á transversalidade a esses temas. Para além do mais a questão genética, e familiar pode ter indirectamente a ver com a função estética da artista.(Filha de escultor, casada com arquitecto, tem dois filhos, um artista outro arquitecto), mas sobretudo porque o seu trabalho interage com uma série de códigos artísticos que vão do desenho ao cinema, da pintura á fotografia, á escultura, á arquitectura, á performance. Estas situações tem a ver com o movimento, com a coreografia, e com a sensibilidade especial na encenação, com o monólogo e confrontação permanente consigo própria.
V.C.P.
Poderá haver alguma verosimilhança, ou poderemos de alguma maneira fazer a comparação do seu trabalho, ao dos grandes artistas na área da fotografia? Estou a lembrar-me por exemplo de Robert Mapplethorp. ou de Cindy Sherman.
A.F.
O que julgo haver de comum entre Helena Almeida e esses dois grandes artistas, é a utilização do corpo como pretexto e como suporte para os seus respectivos trabalhos. É evidente que cada um tem o seu estilo próprio, muito afirmativo e muito peculiar. No entanto no caso particular de Robert Mapplethorp, é também pertinente abordar a questão da intensidade do claro/escuro e da forma magistral como ele dá ênfase á forma e á estética do corpo humano.
Em Cindy Sherman a tónica é posta na auto representação obsessiva, mas de forma algo melancólica e dramática .
V.C.P.
Como encara a obra da artista?
- No sentido da sedução do espectador?
- No sentido do dramático?
- No sentido do sublime?
- No sentido metafísico?
- No sentido Místico?
- No sentido de missão e de sacerdócio?
A.F.
Não sei se poderemos dizer que existe algo de dramático na obra da artista. A nota que poderá ter alguma ressonância nesse sentido, será a presença continuada da dicotomia da cor negra e branca apesar de algumas vezes ela fazer uso da cor azul e outras vezes da cor vermelha ao pretender quebrar um pouco o tom monocórdico do seu trabalho.
No entanto relativamente á questão da sedução, do sentido do sublime, do sentido místico e do metafísico, parece não haver dúvidas de que de facto isso pode ser considerado uma constante da artista, bem como seu de missão e de sacerdócio. O fio condutor do trabalho de Helena Almeida, leva-nos a concluir que faz todo o sentido admitirmos a legitimidade e a veracidade de todos estes pressupostos.
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